MINHA SEGUNDA EXPERIÊNCIA COM TEATRO*
Está bem. Claro, prometi e vou cumprir. A segunda experiência foi muito tempo depois. Eu nem pensava mais em teatro. Eu já estava estudando Letras na USP, quando um calouro iniciou o curso revolucionando tudo, chegou convidando os colegas por meio do CAEL, o nosso centro acadêmico, para fazer um curso com ele. Não me lembro se era sábado ou domingo, mas era em um desses dias, com certeza, porque a preparação e os ensaios seriam em nossas salas de aula. Ainda estávamos nas colmeias, é, assim eram chamadas as instalações porque tinham o formato das células de uma colmeia. Eu achava lindo, gostava muito.
O primeiro dia de trabalho foi uma loucura, o sujeito quase caiu duro porque compareceram setenta estudantes interessados em fazerem o curso. O diretor chegou imponente, sério, falando firme e mandando todo mundo repetir o que ele fazia. Meu amigo, até hoje fico pensando como foi que eu consegui. Eu não fazia nada de exercício físico e ele utilizou uma tal de ginástica canadense que era empregada na preparação física dos astronautas. Foi o que ele falou. Tinha lá uma hora que ele mandava a gente ficar em pé, esticados, duros e tínhamos que ir inclinando para frente até cair e só podíamos amparar o corpo, para não se esborrachar no chão, no último momento. Já pensou? Ele era muito jovem, devia ter uns dezoito anos, eu já estava com vinte e seis. No segundo encontro apareceram só trinta pessoas. A ginástica pesada tinha esse objetivo, reduzir o número de pessoas. Com o tempo esse grupo ainda encolheu mais, terminamos com quinze. Bem, depois de algumas semanas, o rapaz já tinha na cabeça o que iria montar. O espetáculo começaria com um mimodrama do Mário de Andrade, “Eva”, que seria seguido de um ritual que criaríamos durante os trabalhos, transitando para um monólogo, construído por ele com fragmentos importantes da peça de Roberto Athayde (foto abaixo), intitulada “Apareceu a Margarida”. Ao informar isso, já escolheu o ator que faria a Margarida, porque queria um homem interpretando a professora histérica, representando a ditadura militar. Só que a escolha dele apavorou o rapaz, que abandonou o grupo naquela mesma semana. Eu soube na segunda e na tarde do mesmo dia, comecei a decorar o texto. Quando chegou o dia da reunião seguinte e o diretor foi informado da desistência, ficou muito aborrecido. Disse que desejava muito que o jovem fizesse e que já antevia a personagem bem interpretada por ele. Nem pensei na frustração dele, porque eu fora com meu propósito bem firme, substituir o desistente antes que alguém o fizesse. Disse ao diretor que podia fazer o papel. Ele olhou para mim com uma cara que eu interpretei assim “você não tem competência para isso”. Não desanimei, insisti. Ele entrou com a objeção de que era um texto longo, tinha muita coisa para decorar, então comecei a declamar o que havia decorado e, claro, fiquei com o papel.
No dia da estreia, após a apresentação, um amigo veio me procurar e me elogiou dizendo:
− Rapaz, que ótimo! Você está muito bem! Eu fui ver o espetáculo da Marília Pera. Você está melhor do que ela.
Bem, vamos esclarecer algumas coisas. A atriz estava fazendo a Margarida e nós sabíamos disso. O diretor preparou-nos antes dizendo que seriam dois trabalhos diferentes e que não caberia comparação. Outro aspecto é que o rapaz era meu colega e depois se tornaria um grande amigo, logo teria que pesar o aspecto emocional. Mesmo assim, fiquei muito feliz com o elogio. Esse amigo chama-se José Paulo Ferrer, a quem convido para escrever aqui e contar a versão dele. Aproveitando, Zepa, desenha algo para meu blog!
O que mais me fez acreditar no trabalho artístico que estava fazendo foi o que aconteceu com outro amigo, José de Alencar. Esse encontrou-se comigo e muito irritado, reclamou:
− Você me convidou para ver sua peça, eu fui e você não estava lá. Você não trabalhou e nem mesmo estava na plateia. Quando terminou, aquele grupo ficou parado, a gente batendo palma e todos parados e ficaram assim até que toda a plateia se retirou.
Cansei de explicar a ele que eu fazia a Margarida, logo ele deve ter me visto, mas não adiantou, ele não aceitou que aquela personagem era interpretada por mim. Então aceitei como o maior elogio feito ao meu trabalho. Na apresentação que se seguiu isso foi confirmado porque, depois que todos se retiraram a gente tirava maquiagem e figurino e só então saíamos para abraçar amigos e parentes. Quando eu saí, havia um estudante da Poli que muito nervoso estava dizendo que iria quebrar a cara da Margarida. Eu fiquei apavorado. Não estava com vontade de apanhar. Ao tentar passar por ele, fui agarrado pelos braços e ele tenso, emocionado, me perguntou:
− A Margarida vai demorar a sair? E eu fui rápido na resposta:
− Não, ela vai sair agorinha mesmo. E me mandei rapidinho.
*Este é meu segundo texto sobre minhas peripécias no teatro. Quer ler o primeiro? Clique Aqui!