Então eu ainda não lhe contei como comecei a fazer teatro? Se lhe interessa vou fazer um breve relato.
A primeira experiência nem valeria a pena contar, a não ser por um episódio cômico.
Por causa disso vou lhe resumir.
Eu morava em Ermelino Matarazzo, bairro operário de São Paulo e fazia parte dos Congregados Marianos, grupo de jovens religiosos. Apareceu em nossa igreja um maluco que trabalhara em teatro circense e queria montar a Paixão de Cristo no Círculo Operário do bairro, porque lá já havia um palco. Ele tinha o cenário, quer dizer, aqueles telões que no circo eram utilizados para simular o espaço da ação. O padre pediu que colaborássemos e lá fui eu.
Como os demais rapazes e também os adultos, nunca havia assistido a uma peça de teatro. Cinema eu frequentava desde os nove anos, mas teatro, jamais.
Começaram os ensaios e o diretor ia distribuindo os papéis, mas ao decorrer dos ensaios muitos iam desistindo e eu abraçando os personagens abandonados. Já estava com cinco, então declarei que não pegaria mais nenhum. Decorei bem todas as falas, mas no último ensaio, na véspera da apresentação, o sujeito que interpretava o bom ladrão se sentiu mal, teve diarreia e declarou que não conseguiria fazer o papel.
O diretor logo declarou:
− Esse papel é seu também.
− Não, de jeito nenhum, já falei que não pego mais nada. Tenho muita coisa e até a manhã não vou conseguir. Pode desistir.
− Não há outro jeito, você precisa fazer, porque todos os demais estarão em cena. Só você está fora de cena, quer dizer, estava, porque agora será o bom ladrão. Não se preocupe com a fala, eu sopro para você porque estarei atrás do telão, bem onde você fica pendurado na cruz.
Vi que não conseguiria resistir e parei de reclamar.
No ensaio foi tudo bem, ela soprou, eu repeti e passamos duas vezes o texto todo. Fomos para casa extenuados, mas felizes porque antevíamos as emoções que provocaríamos em nossos parentes e conhecidos.
O problema é que no dia da apresentação, quando chegou aquele momento fatídico, aconteceu algo que não ocorrera em nenhum ensaio. E ninguém me avisou que isso ocorreria. No momento imediatamente anterior à minha fala, para expressar a situação emocional que deveria ter ocorrido no Calvário, atrás do telão alguém rolava uma bola de boliche pelas tábuas (os técnicos que ficavam na coxia), fazendo um barulho horrível que representava os trovões e outra pessoa vibrava uma lâmina metálica que imitava o som dos raios.
Aquela barulheira não me deixava ouvir nada do que o diretor soprava. E eu me torcia todo, me retorcia, tentava aproximar meu ouvido dos buraquinhos que havia no telão, para tentar ouvir algo. Voltava e me retorcer, olhava para os demais atores no palco, na vã esperança de que alguém me ajudasse. Quase invoquei Nossa Senhora, para ver se a moça que a interpretava me ajudava de alguma forma.
Já estava molhado de suor, não sei do esforço que fazia, quase caindo da cruz, ou ser era fruto do nervosismo. Finalmente o diretor percebeu a demora, entendeu que o barulho não me deixava ouvir, mandou diminuir e subiu em uma cadeira, conforme contou-me depois, para dizer a fala que pude repetir, morrendo em seguida para meu alívio. Provoquei um efeito tão forte na plateia, que durante muito tempo as pessoas me cumprimentavam por ter representado tão bem o sofrimento do bom ladrão. Eu não dizia nada, agradecia, mas pensava “representei nada, sofri mesmo”.
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